quinta-feira, 23 de fevereiro de 2006

Solteiro, sim... e daí?

Há algum tempo venho comentando, nas conversas de todo e cada dia, que não entendo como ainda haja gente que deseje, com urgência e de forma obsessivo-compulsiva, encontrar alguém e casar. Isso deve ser fruto de termos sido maquiavélica e subliminarmente impelidos a esse tipo de necessidade, desde a mais tenra infância, por histórias como "Branca de Neve", "Cinderela" e outras congêneres, onde os casais são felizes para sempre sem nunca antes terem se visto.

Normalmente, a reação dos meus interlocutores chega a ser agressiva: “Ah, é? E tu te imaginas sozinho, daqui a vinte anos?”; “Bah, como tu és frio...”; “O que fizeram pra te deixar amargo assim?” ou então “Tu preferes ficar só? E o que tu fazes com a solidão?”. Sinceramente, não consigo acompanhar a lógica desses questionamentos.

Embora um comentário mais objetivo costume irritar ainda mais os que entendem que só aos pares o ser humano pode encontrar a felicidade, costumo esclarecer que conviver bem com o fato de ser solteiro nada tem a ver com estar sozinho ou mesmo solitário. O que tento apontar é que, até por uma questão de diferença de valores e costumes, não cabe mais aquela visão ortodoxa de vida a dois: homens e mulheres trabalhando, optando por investir prioritariamente em suas carreiras profissionais; a reformulação dos próprios conceitos de amor, de realização e de bem-estar pessoal etc.

Não sou antagonista dos mais românticos nem desfaço de suas “metáforas definidoras”. Pelo contrário, tenho profundo respeito. Apenas defendo veementemente a necessidade de que conheçamos a nós mesmos antes de jogar sobre os ombros do parceiro ou da parceira a responsabilidade de nos fazer feliz. Isso é, inexoravelmente, tarefa de cada um. E o processo de conhecimento e aceitação individual passa por aprender a estar só. A conviver consigo mesmo. A constatar que não somos metades e sim inteiros. Como posso esperar entender as idiossincrasias da outra pessoa se não tolero as minhas próprias ou, pior que isso, se nem tenho consciência de sua existência? Logo, quanto mais apta for uma pessoa para estar só e administrar suas próprias angústias, tanto mais estará para viver a dois.

É esse, ao meu ver, o grande mote: a parceria. Gostar de estar com alguém é muito diferente de precisar estar com alguém. A pessoa amada não tem que ser a solução dos problemas. Tem que ser boa companhia de viagem, isso sim.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2006

Só de Sacanagem ...

Recebi por e-mail o vídeo da Ana Carolina recitando o texto a seguir durante seu show. Procuro evitar a mera transcrição de palavras alheias, mas esta maravilha escrita pela Elisa Lucinda merece ser divulgada na íntegra. Os corações e mentes tocados por esse sentimento de indignação serão de extrema valia no resgate do verdadeiro valor do povo brasileiro ...
Meu coração está aos pulos! Quantas vezes minha esperança será posta à prova? Por quantas provas terá ela que passar? Tudo isso que está aí no ar, malas, cuecas que voam entupidas de dinheiro, do meu dinheiro, do nosso dinheiro, que reservamos duramente para educar os meninos mais pobres que nós, para cuidar gratuitamente da saúde deles e dos seus pais, esse dinheiro viaja na bagagem da impunidade e eu não posso mais. Quantas vezes, meu amigo, meu rapaz, minha confiança vai ser posta à prova? Quantas vezes minha esperança vai esperar no cais? É certo que tempos difíceis existem para aperfeiçoar o aprendiz, mas não é certo que a mentira dos maus brasileiros venha quebrar no nosso nariz.
Meu coração está no escuro, a luz é simples, regada ao conselho simples de meu pai, minha mãe, minha avó e dos justos que os precederam: "Não roubarás!" "Devolva o lápis do coleguinha!" "Esse apontador não é seu, minha filhinha." Ao invés disso, tanta coisa nojenta e torpe tenho tido que escutar. Até habeas corpus preventivo, coisa da qual nunca tinha ouvido falar e sobre a qual minha pobre lógica ainda insiste: esse é o tipo de benefício que só ao culpado interessará.
Pois bem, se mexeram comigo, com a velha e fiel fé do meu povo sofrido, então agora eu vou sacanear: mais honesta ainda vou ficar. Só de sacanagem!
Dirão: Deixa de ser boba, desde Cabral que aqui todo o mundo rouba e eu vou dizer: não importa, será esse o meu carnaval, vou confiar mais e outra vez. Eu, meu irmão, meu filho e meus amigos, vamos pagar limpo a quem a gente deve e receber limpo do nosso freguês. Com o tempo a gente consegue ser livre, ético e o escambau.
Dirão: é inútil, todo o mundo aqui é corrupto, desde o primeiro homem que veio de Portugal. Eu direi: não admito, minha esperança é imortal. Eu repito, ouviram? I-MOR-TAL!
Sei que não dá para mudar o começo, mas SE A GENTE QUISER vai dar para mudar o final!

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2006

Freakonomics

Comentei num post anterior sobre o "Pegando no Tranco", do Ricardo Neves. Finalmente hoje à tarde consegui encomendar um exemplar, que deve chegar ainda esta semana. Enquanto aguardava que a vendedora verificasse o título, encontrei na prateleira o livro "Freakonomics - O lado oculto e inesperado de tudo que nos afeta", do economista americano Steven Levitt. Amor à primeira vista. Comecei a ler e não consigo parar.
Assim como Ricardo Neves, Levitt propõe, de forma muito interessante, novas perguntas (e também respostas) referentes a temas ligados à Economia, refutando as conclusões que nos oferece a "sabedoria convencional". Leitura recomendada, sem dúvida!

Estética, muros e pontes

Mais um pacato final de semana no Alegrete.
Calor insuportável. Mormaço. Tédio. Entre um chimarrão e outro, desejei que fosse agosto. Ah, o frio. O silêncio. Lasanha e vinho tinto. Lareira. Os dias nublados e as noites longas, que convidam à introspecção...
Lembrei de um ensaio do Vitor Ramil, “A estética do frio”, onde ele faz uma análise da chegada do inverno gaúcho apresentada por um noticiário e se identifica com aquele cenário quase europeu, concluindo que o frio constitui a metáfora definidora do gaúcho ao mesmo tempo em que é fator de distanciamento do Brasil “tropical”.
Tenho pensado sobre a imagem que nos define como indivíduos e como grupos sociais. Essa característica que, em uma primeira análise, constitui a “metáfora definidora”, parafraseando Ramil.
Não têm sido raras as vezes em que, diante de uma situação de conflito de idéias ou valores, percebo como se mostra pobre a idéia de adotar essa estética pra definir pessoas, seja de forma individual ou coletiva. Primeiro, porque o que se pretendia como retrato torna-se caricatura; depois, porque quando se pinça uma característica ou um traço acentuado, invariavelmente se deixa de lado uma enormidade de detalhes importantes, dentre os quais aqueles necessários à identidade comum – fundamental para o convívio.
Que a natureza humana é complexa, não há dúvidas. Que os interesses são diferentes, também não. Que as escalas de valores são completamente relativas, nem se fala. Mas o entendimento tem que ser possível. Aliás, é primordial, até por questão de sobrevivência ou de qualidade de vida.
Convivemos mais do que o necessário com métodos estéticos de formação de opinião. Isso definitivamente me incomoda. Creio que possamos mais. Do alto de toda a – pretensa – racionalidade humana, deveríamos ser capazes de análises mais elaboradas. Ou melhor, nós somos capazes! Mas antes disso, somos preguiçosos e preferimos construir muros ao invés de pontes.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2006

Mea Culpa

Há algum tempo venho remoendo uma idéia, o que me levou à triste (e óbvia) conclusão: a geração a que pertenço tem grande responsabilidade pela realidade em que vivemos. Se não pelas ações, muito mais pelas omissões. Fomos educados no momento histórico brasileiro em que a ditadura militar estava no seu auge e, portanto, aprendemos que "política é feio". Pensar ou discutir qualquer tema ligado ao assunto nos era tacitamente proibido. Avalio que isso nos tenha inclinado a uma certa acomodação e que, por via oblíqua, tenhamos aceitado e acreditado em conceitos errados e pessimistas, sem nunca questioná-los. Aquelas crianças e jovens tornaram-se adultos e hoje são responsáveis por suas famílias, por seus negócios e até mesmo pelos grupos sociais a que pertencem. Em outras palavras, são (ou melhor, somos) inegavelmente agentes políticos. Todavia, nossa bagagem ideológica no que tange à política é pobre, exatamente porque não exercitamos nenhuma filosofia em sua construção. Identificamos os que se declaram "apolíticos" – como se possível fosse – e os que se dizem "politizados" – sendo que meramente aprenderam a utilizar a seu favor estruturas político-partidárias – e, naturalmente, há as raras e honrosas exceções, mais conscientes e proporcionalmente inquietas.
Há alguns dias, assisti a uma entrevista com o consultor Ricardo Neves, acerca do lançamento do livro "Pegando no Tranco – O Brasil do jeito que você nunca pensou". Diante da temática e dos questionamentos propostos, não consegui deixar de acompanhar os comentários do autor. Diretor da empresa de consultoria empresarial itC, com experiência em gestão de projetos para as Nações Unidas, Banco Mundial e Banco Interamericano, Ricardo Neves afirma categoricamente que temos uma percepção equivocada da realidade brasileira em razão de muitas de nossas concepções serem obsoletas, dando como exemplo a confusão entre pobreza e baixa renda, apontando a informalidade como um complicador.
Leitura recomendada para a desconstrução de paradigmas, principalmente aos que concordam com o título deste post ...

Divagações ...


Incrível a sensação de alívio quando se consegue externar alguns pensamentos reincidentes ...

Espero que os eventuais leitores apreciem, concordem, discordem, critiquem ... o feedback será muito bem vindo!

Saúde x CPMF

Há algumas semanas, encaminhei para diversos amigos o artigo assinado pela Juventude do Partido do Movimento Democrático Brasileiro, intitulado “Alegrete pede saúde”, tendo recebido diversos elogios à iniciativa desses jovens alegretenses que, cientes da importância de sua participação no debate e na busca de soluções para nossas mazelas sociais, demonstraram interesse e se manifestaram publicamente sobre questões ligadas aos serviços de saúde em nosso município.

Da mesma forma como se deve reconhecer que o problema não é exclusivamente nosso (o colapso do sistema de saúde ocorre, a olhos vistos, em âmbito nacional), é correto o entendimento que somente a busca de informações, a transparência dos processos e a participação efetiva da sociedade civil podem reverter este caótico quadro. Nesse sentido, cabe trazer à discussão um tema intimamente ligado ao questionamento proposto pela JPMDB Alegrete: a CPMF.

Quando o Governo Federal criou a Contribuição Provisória (que virou Permanente) sobre Movimentações Financeiras, há quase dez anos atrás, o objetivo anunciado era exatamente o de financiar ações e serviços de saúde. Todavia, não é perceptível nenhuma melhora significativa, seja no que diz respeito a atendimentos ambulatoriais, métodos diagnósticos, fornecimento de medicamentos ou mesmo internações hospitalares. Muito pelo contrário, o que se apresenta a qualquer cidadão que observe atentamente o cenário da saúde pública é a crescente deterioração do sistema, onde as deficiências são cada vez maiores e se presenciam, a cada dia, faltas injustificáveis de equipamentos fundamentais – como ambulâncias – e a ausência de medicamentos de uso rotineiro - como AAS, diclofenaco e paracetamol.

Ou seja: a toda evidência a instituição da CPMF foi completamente inócua no combate à problemática da saúde pública! E o que é pior: em quase dez anos não houve quem informasse com clareza qual a quantia mensal necessária ao funcionamento do sistema de saúde no Brasil, assim como também não há informação de qual o montante arrecadado mensalmente com a CPMF nem de que destino seja dado aos recursos dela oriundos. Talvez seja assunto sigiloso (ou, quem sabe, a saúde a que se referiram os “pais da criança” fosse a saúde financeira de uns e outros).

É necessária a abertura desta “caixa preta”. A população precisa saber qual a serventia do “confisco” de 0,38% das movimentações financeiras no país. Isso sem falar na parte das apostas do “cassino” institucionalizado pela Caixa Econômica Federal, cuja aplicação deveria ser em saúde, pelo que se lê no verso dos cartões...Não tem cabimento que milhares de cidadãos do Oiapoque ao Chuí façam uma verdadeira “via crucis” em busca da rede pública de saúde, engrossando filas quilométricas e implorando por condições mínimas de atendimento, como se saúde pública não fosse responsabilidade constitucional do Estado – ou seja, elementos de inclusão social e cidadania como atendimento digno, assistência médica e fornecimento de medicamentos são tratados como uma benesse estatal.