terça-feira, 10 de julho de 2007

O lugar do ser feliz

“A gente não precisa sair do lugar pra ser feliz. Tem que ser o lugar”.


O dito pode ser antigo, mas o aprendizado – admito – é recente ...

Sempre julguei modestas minhas necessidades pra ser feliz, mas sempre incluía entre elas alguns fatores externos. Não me preocupo com o vil metal além do necessário pra pagar as contas e manter meus poucos caprichos. Não vinculo felicidade a um ponto no mapa, embora goste de viajar e tenha planos fora da província onde vivo.

Mas noto, em atitudes passadas, a tentativa infantilóide de controlar as incertezas – que são exatamente o colorido mais intenso, o tempero mais picante – da vida. Mais do que sobrevalorizar a existência do extrínseco, sentia a necessidade de sua posse ou seu controle. Imaturo, tive medo da montanha-russa dos sentimentos. Criança assustada, apesar da idade, tentava me preservar. Era como se me guardasse para a “vida que eu queria ter”, cego para a vida que se me oferecia.

Quantas vezes deixei de aproveitar a alegria contida em pequenos momentos ... Por projetar demais e não saber o que fazer com o inusitado, não percebi a beleza do efêmero. Sacrifiquei a alegria em prol de uma seriedade estéril, chata e impertinente. Dosei com conta-gotas as gargalhadas. Os palavrões. A indignação. A atenção. Até o bom-humor. Ao invés de banquete entre amigos, trash food sozinho.

Só agora percebo que o caminho é inverso. A felicidade é mais questão de entendimento do que de insumos. Pede que se perceba o mundo com os sentidos superlativos. Que se perceba a intensidade das luzes e cores. Que se consiga interpretar os sons do silêncio. Que se aprecie cada cheiro, cada perfume, como na infância – não por saudade, mas por pureza e curiosidade. Que se compreenda que doces, salgados e cítricos não são sabores antagônicos, mas que se completam e se compensam. E que se dê real sentido e valor ao toque, ao afago, ao aceno ...

Sinto que encontrar o lugar do ser feliz seja tão somente encontrar a si mesmo. Alcançar a serenidade para aceitar a chuva ou o sol, o frio ou o calor como possibilidades, não como problemas. Abraçar no reencontro e não somente na despedida. Dizer o que se sente, sem se levar tão a sério a ponto de se permitir combater ou ser combatido por opiniões alheias. Sorver a vida de gargalo. Jogar fora o conta-gotas.

segunda-feira, 9 de julho de 2007

(e)Ternos Momentos

A mulher amada – e desejada !!! – deitada ao lado. Sem prévia combinação, ocupa o lado esquerdo da cama – que preenche com graça de menina enquanto acomoda o corpo esguio e as pernas longilíneas e bem torneadas. Preguiçosa e insinuante, exibe as curvas dos quadris. O cabelo perfumado escorre displicente sobre as costas e, de forma caprichosa, mantém a nuca à mostra. Pra meu desassossego, é linda e sabe como provocar.

Com um movimento, se aproxima. Sinto o toque do seu corpo, quente e macio, junto ao meu. Coloca a perna sobre a minha, como se me prendesse. Repousa a cabeça no meu peito, acomodando-se de modo que a respiração suave, quase música, seja sentida como um beijo no pescoço. A mão esquerda repousa no meu peito, espalmada, como se me afagasse o coração. Já não sei se estou acordado ou se sonho.

Mais do que um convite, sua presença é a própria festa. Alegria doce e efêmera, com sabor de nuvem, com cor de arco-íris. Celebração à beleza da vida.

domingo, 8 de julho de 2007

Estados de Espírito

Tenho comentado sobre mudanças na percepção de mim mesmo. Ou sobre a percepção de mudanças. Ou as duas coisas. O fato é que os dias cinzentos e o frio são um convite irrecusável à introspecção e, por conseqüência, às divagações. Auto-referência inevitável, portanto.

Talvez o inverno na província tenha colaborado para que eu me veja, muitas vezes, preenchido – ou esvaziado – por algo muito parecido com tristeza. Não me refiro àquela que deprime, mas sim à que transforma pela análise da sua aparente falta de motivo.

Descobri que esse sentimento me torna mais pensativo, mais racional, mais atento, mais disposto a ouvir do que falar. Arrumo a casa, numa tosca paródia do que gostaria de fazer com a vida. Organizo gavetas, como se pudesse reordenar memórias. Busco explicações, desenvolvo teorias, consumo – de forma insaciável – poesia. Revisito lugares, pessoas, palavras ditas e ouvidas há muito tempo, em diálogos que não mais podem ser repetidos.

Sinto como se, assim, chegasse mais perto de meu verdadeiro eu. Sinto mais a vida, as saudades, os amigos, os amores, os sucessos, os aprendizados com os tropeços. Por vezes, é um estado preferível pra conseguir me perceber mais intenso.

Aos desavisados, advirto: não é esta uma elegia aos estados mais sombrios de espírito. Muito pelo contrário. Apenas observo – com surpresa – que minha alegria é idiota, é estúpida. Não me traz idéias novas, não me faz mais profundo. Nunca esboçará versos baseados nos meus dias. Não postulará nem será capaz de fazer história. Por vezes, até faz de mim egoísta e disperso. Capaz de falar besteiras, de ser imprevisível, de querer sorver a vida num só fôlego.

Percebo, então, um erro de concepção e outro de interpretação. Essa alegria, da qual sinto falta por já ter esquecido seu sentido, não tem que ser sinônimo de satisfação, deslumbramento e fastio. Mas pode – e deve – ser uma contemplação mais leve, mais exaltada, do caminho que se percorre. Um atenuante. Um catalisador. Algo que induza menos palavras, mais ações. Menos teorias, mais sensações. Menos certezas, mais improviso. Menos verdades, muito mais dúvidas.

Passei tanto tempo reagindo à tristeza, racionalizando e projetando conceitos pra dar sentido à vida, que acabei me levando muito a sério e perdendo a alegria da espontaneidade ... e esquecendo da espontaneidade da alegria.