quarta-feira, 17 de outubro de 2007

O sujeito e as palavras

Quando aprendeu a ler e escrever – com a ajuda da mãe e ainda com “letras separadas” – tinha entre quatro e cinco anos. O pai, orgulhoso, apresentava aos amigos o menino que já lia jornais e rabiscava palavras em maiúsculas. Tomou gosto por gibis, revistas e pequenos livros naquela época, o que mais tarde acabou relegando a um terceiro ou quarto plano.

Das leituras da infância e adolescência, assim como dos aprendizados de matemática e informática, assimilou algumas noções de lógica que lhe davam certa segurança mesmo ao discutir assuntos que não dominava. Se não tinha como contrapor idéias, pelo menos acompanhava os raciocínios. Sabia a ordem ao concatenar premissas. Às vezes, por conseguir seguir a obviedade dos assuntos, até cometia alguns comentários interessantes durante as exposições. E outras – muitas – tantas vezes não. Óbvio.

Cultivou, por algum tempo, o gosto duvidoso por trocadilhos – o primeiro sinal de que havia algo errado em seu trato com as palavras. Por um lado, a facilidade em subverter significados ou perceber humor onde alguém falava sério. Por outro, exatamente a irritação das pessoas, que o chamavam de “moleque debochado”. Aprendeu que fazer graça é mais questão de “timing” do que necessariamente de jogo de expressões. Mas ainda não perdeu completamente o hábito.

Com os amores que teve – um de cada vez, é claro – percebeu, invariavelmente, que significados são valores relativos. Que termos simples, como “sim” ou “não” podem representar diferentes coisas. Aliás, que quase nunca serão exatamente “sim” ou “não”.

Compreendeu, com o passar do tempo, que palavras sozinhas não dão conta da comunicação. Que o “vacabulário” – como ironizava – relativamente rico pode ser insuficiente ao entendimento se não se souber entender o contexto – que nem sempre é lógico – e se não se conseguir sentir o significado do silêncio – que, não raro, é quem consegue melhor explicar a situação.

Precisava então admitir, àquela altura da vida, que havia uma estranha defasagem na sua forma de se relacionar com as palavras ... nada alarmante mas, ao mesmo tempo, não tão tranqüilo quanto poderia desejar. A grosso modo, sentia como se não soubesse se fazer ajudar por elas quando mais precisava. Era como se procurasse cuidadosamente e, na última hora, escolhesse a mais errada (im)possível.

Não desconsiderava o fato de que a comunicação constitui um fenômeno tão complexo que haverá sempre, pelo menos: a palavra que se pretende dizer, a palavra que se diz e a palavra que o interlocutor ouve e compreende. E que a tendência é de que as três sejam diferentes (tese corroborada pelas lições de “sim” e “não” das namoradas).

Mas ainda procurava uma forma de se fazer entender. Buscava, então, um equilíbrio entre a simplificação e a sofisticação das assertivas. E notava, finalmente, que não seria pelo significado intrínseco das palavras, mas sim pelo seu valor no que dizem respeito ao próprio sujeito.

2 comentários:

Milena disse...

Descobri que diariamente convivo com tantas palavras que, na verdade, não preciso, mas a minha teimosia insiste em cultivá-las, sempre tão imprecisas e desnecessárias... Minha meta atual é aprender a ficar calada.

Madame Mim disse...

Adorei esse texto.
Nem é por falar muito, mas parece que sei a hora exata de falar a coisa errada, por isso prefiro ficar quieta.
Tu captou bem, ahaha, mulher nem sempre sabe dizer o que quer ou o que tá sentindo...eu nunca sei direito.Falo não qdo qria dizer sim, ou vice-versa. E depois me arrependo.