quinta-feira, 4 de maio de 2006

Religação ou Comércio?

Gosto de pensar que a sabedoria popular nos oferece valiosos conselhos. Um deles é o que diz: “religião não se discute”. Diferente do que possa parecer, minhas considerações não têm propósito discriminatório. Muito pelo contrário. Pretendo, ao final, concordar com aquele postulado.

Pelo que sei, o termo “religião” deveria significar re-ligação. Digo “deveria” porque não é o que percebo, daqui da província onde vivo. Ao invés de promover o restabelecimento da conexão entre o homem e a divindade (ou, pelo menos, dos homens entre si), o que salta aos olhos é um exercício comercial exacerbado, onde a fé ocupa simultaneamente os papéis de produto final e de ferramenta de venda. Em cada ponto das cidades pipocam “franquias”, sob diferentes bandeiras, que exploram crenças a preços nada módicos e disputam seus clientes com todas as armas que o marketing pode oferecer. Peço desculpas pelo mau trocadilho, mas ao que parece “o céu é o limite”.

O pior de tudo: percebe-se claramente que há uma contenda pela “verdade absoluta” entre as tais "correntes religiosas", o que fomenta a segregação e, portanto, desvirtua a etimologia da palavra. Entendo que a prática da fé constitua fator fundamental ao equilíbrio mental de qualquer ser humano - até quem não crê em uma “força superior” tem sua fé - uma vez que a consciência da finitude sempre nos abalou profundamente. Avalio que a oração - ou a meditação, ou qualquer outro termo que se queira adotar - ofereça um caminho válido para a reorganização do dia-a-dia, a revisão das atitudes e a manutenção da própria sanidade.

As religiões, na exploração da fé ao longo da história, acabaram popularizando princípios básicos de ética e moral, o que constitui uma contrapartida apreciável. Da mesma forma, é inegável o fato de que igreja e poder sempre caminharam juntos. Guerras foram - e ainda são - travadas em nome da fé. No ocidente, houve uma certa separação entre os dois, enquanto há culturas orientais onde ainda se fundem. Mas não há o que justifique vilipendiar o desespero alheio através do comércio.

Diz-se que os valores - éticos, morais e comportamentais - que adotamos e praticamos são diretamente relacionados à nossa experiência de vida. Tive a oportunidade de fazer o - então chamado - primeiro grau em uma escola “de freiras”. Talvez até por ter, desde criança, uma grande dificuldade em aceitar os tais “dogmas”, nunca fui um fiel praticante. Já passei por crises de fé suficientes para perceber que, por mais que se busquem novas respostas, as perguntas continuarão mudando. Aprendi, com isso, que em termos de fé não há como aceitar uma verdade absoluta. Por ser opção de cada um, trata-se de verdade relativa. Ou seja, é questão de gostar e adotar. Desde que promova a religação e respeite o sentido original do termo, não se discute. Ponto.

Um comentário:

amalia disse...

Márcio , estava há algum tempo sem visitar teu espaço, e tuas últimas postagens me deixaram pensando bastante...triste que a religão, além de não religar coisa nenhuma, acabe fazendo o contrário, afastando as pessoas umas das outras e alimentando esse separatismo com a idéia de "povo eleito". Já estive desse lado e hj sei como é destrutivo...

Beijos